Memória!? O que é isso mesmo?

26 de Março de 2013 at 9:59 1 comentário

Prof. Drª Sônia Trannin de Mello

Chamamos memória, uma função mental complexa, que envolve substrato orgânico da mente e seus componentes psíquicos (afetividade, motivação). De acordo com o pesquisador Izquierdo, inicia-se logo após a formação do nosso sistema nervoso, mas torna-se completamente desenvolvida aos quinze anos de idade, de forma que podemos dizer que somos aquilo que recordamos. Uma memória pode ser feita pela repetição ou pela compreensão do que está sendo posto, mas o componente emocional, positivo ou negativo, o estado de alerta e a atenção são fortes moduladores.

A memória pode ser classificada, de acordo com o tempo de duração, em curto e longo prazo, com a função, em memória de trabalho e, de acordo com o seu conteúdo em declarativa e de procedimento. Falaremos um pouco sobre memória de curto e longo prazo. Ambas utilizam as mesmas estruturas nervosas, porém os mecanismos de ação são distintos.

A memória de curto prazo nos permite, por exemplo, lembrar o número de telefone de uma empresa, depois de ter consultado o número na lista telefônica ou na internet. Após a finalização do nosso objetivo – ligar para empresa – o número de telefone, caso não tenha significado importante, será simplesmente descartado. Contudo, em situações onde existe um componente emocional envolvido, um número de telefone pode passar da memória de curto prazo para a de longo prazo sem grandes dificuldades. É o que acontece quando um rapaz interessa-se, realmente, por uma moça e pergunta a ela o número do seu telefone. Dificilmente ele precisará anotar o número em sua agenda, em virtude do importante significado afetivo da informação.

Deste modo, podemos perceber que a memória de longo prazo tem a função de armazenar toda a informação que possuímos e não estamos utilizando, por isso é conhecida como memória permanente ou remota. Para que uma informação seja armazenada na memória de longo prazo deve, primeiro, passar pela memória de curto prazo. Todavia, devemos antes, entender um pouco sobre os neurônios, já que são eles que se conectam permitindo a formação, evocação e modulação das nossas memórias.

Os neurônios, células especializadas em produzir e conduzir energia eletroquímica ou impulso nervoso, são as células do sistema nervoso que nos permitem fazer e armazenar memórias e, posteriormente, recordá-las. Pesquisas demonstram que um neurônio pode receber informações de muitos outros neurônios, mas só pode retransmitir para poucos. Isso ocorre porque os dendritos, prolongamentos responsáveis pela recepção de informações, são numerosos e podem receber de 10 a 100 mil terminais de axônios. Já o axônio, prolongamento responsável pela transmissão do impulso nervoso, é único e pode se ramificar de 10 a 20 vezes.

Funcionalmente falando, temos neurônios sensitivos, que captam estímulos do meio externo e interno e, por meio de seus receptores, os convertem em impulso nervoso, permitindo a interpretação das sensações e percepções. Já os neurônios de associação, que mais se desenvolveram na escala evolutiva, buscam na memória um significado para os estímulos que chegaram ao cérebro nos permitindo compreender e analisar o grau de importância da informação. E, finalmente, os neurônios motores, que são os responsáveis pela envio da melhor resposta, a qual poderá ser elaborada na medula espinal, na forma de um reflexo simples (tirar a mão em virtude de uma espetada com um espinho, por exemplo), ou em nível cortical (avaliar o ferimento e decidir se precisaremos ir ao médico ou não).

A transferência de informações entre esses neurônios é feita por substâncias químicas conhecidas como neurotransmissores ou neuromodulares (adrenalina, histamina, serotonina, acetilcolina, etc.), que são produzidas no corpo celular dos neurônios. O ponto onde a parte final do axônio se aproxima dos dendritos para que ocorra a transmissão dos sinais elétricos é chamado sinapse. São nas sinapses também que nossas memórias são armazenadas.

Para que uma informação seja incorporada e consolidada na memória de longo prazo, alguns eventos devem acontecer: 1) O córtex cerebral será ativado, por meio das vias sensório-motoras, e selecionará as informações que julgar relevantes; 2) Comparação entre a nova informação e as pré-existentes na memória; 3) Caso seja julgada relevante, a nova informação permanecerá na memória de curto e médio prazo; 4) Durante uma fase do sono, chamada de sono REM, sigla em inglês para rápido movimento dos olhos, o hipocampo, uma estrutura do nosso sistema nervoso, que é responsável pela formação de novas memórias, promoverá o armazenamento em redes de neurônios no sistema nervoso central.

Leituras posteriores, reflexões e discussões com outras pessoas promoverão a consolidação dessa memória. A forma mais prática para avaliar se houve a consolidação é medir sua evocação. A cada lembrança a rede neuronal, que foi formada pelas diversas sinapses sobre o assunto em questão, será ativada, recriada e, consequentemente, reforçada.

Desta maneira, a cada novo estímulo os neurônios, por meio de seus dendritos e axônios, conectam-se formado uma rede ou malha neuronal muito dinâmica e plástica. Eventos externos (metodologia, material didático, professor, temperatura, período do dia, etc.) e internos (cognição, emoção, estado de humor, etc.) chamam e prendem nossa atenção disparando o processo de mobilização de memória e aprendizado. Quanto mais vias neuronais, ou sinapses, forem criadas e utilizadas, mais eficientes se tornam o aprendizado e o pensamento.

Cabe destacar um fator importante da ação de alguns hormônios, que são liberados em condições de estresse, como por exemplo, o cortisol, a noradrenalina e a vasopressina. Em níveis moderados esses hormônios melhoram a consolidação; em doses elevadas inibem provocando o famoso “branco”.

Portanto, como vimos, nossa capacidade de aprender é modulada por inúmeros fatores, todavia, o significado afetivo e uma boa noite de sono permitem rápida mobilização de nossa atenção facilitando a formação das nossas memórias.

Referência bibliográfica

ISQUIERDO, I. Memória. São Paulo: Artmed, 2002.

MACHADO, A. Neuroanatomia funcional. São Paulo: Atheneu, 2002.

LENT, R. Cem bilhões de neurônios – Conceitos fundamentais de neurociência. São Paulo: Atheneu, 2001.

MIRANDA-NETO, M.H., MOLINARI, S.L.; SANT’ANA, D.M. Relações entre estimulação, aprendizagem e plasticidade do sistema nervoso. Arq. Apadec, 6(1): jan.jun., 2002. p. 9-14.

 

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  • 1. Elaine Trannin de Mello  |  27 de Outubro de 2014 às 21:20

    Muito Bom o texto!

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